sexta-feira, fevereiro 07, 2020

Biscoitinhos de queijo Canastra e páprica e um papo sobre "comida de verdade" e privilégios

Biscoitinhos de queijo Canastra e páprica

A maravilhosa Raq postou um texto muito interessante sobre comida de verdade nos stories do Instagram dias atrás e depois nós ficamos papeando via inbox sobre o assunto.

Eu já falei sobre comida de verdade tanto aqui quanto nas minhas redes sociais, já fiz militância sobre o assunto, mas de uns tempos pra cá peguei um pouco de ranço: a gente às vezes não se dá conta dos privilégios que tem e sai cagando regra para os outros.

Tenho uma rotina puxada, diferente de anos (e trabalhos) anteriores, e é difícil manter uma alimentação regrada. Muitas vezes cheguei em casa exausta, às 10 da noite, tendo saído de casa às 06:00 para ir para o trabalho (moro longe), e comi um sanduíche com qualquer coisa que havia na geladeira, para depois morrer de culpa, afinal de contas eu havia me entregado à derrota de consumir produtos ultraprocessados e não era digna o suficiente para preparar “comida de verdade” para jantar.

Além de cansaço de tanto trabalho, exaustão do trânsito, ainda tinha que ficar me corroendo por dentro e me achando um lixo por causa da comida – nem preciso dizer que a minha saúde mental, que já não andava muito boa, foi pro espaço.

O que fiz para tentar melhorar isso um pouco foi preparar uma boa quantidade de comida aos finais de semana, deixar na geladeira ou no freezer, para comer tanto de marmita no trabalho quanto no jantar à noite. Os vídeos da Marina Morais me ajudaram bastante com isso. Mas ainda assim reconheço meu lugar de privilégio, porque mesmo quando eu como um pão com maionese às 11 da noite pra deitar e dormir, eu faço isso por cansaço, e não porque não tenho outros alimentos à minha disposição. Há verduras e legumes na minha geladeira, há grãos e cereais na minha despensa, há carne no meu freezer. Eu não como pão com maionese por falta de opção, como tantos brasileiros em situação de pobreza – e isso só piorou com a eleição deste boçal que muita gente chama de presidente. Eu não vou tripudiar em cima de quem compra ultra processado para alimentar uma família imensa com um salário mísero, e ainda é chamado de vagabundo por quem dorme em cama quentinha e de bucho cheio todas as noites. Eu não vou ficar me achando superior porque tenho “comida de verdade” na minha casa.

Reconheço, sim, que minha rotina não está sadia e preciso fazer algo a respeito. Reconheço, sim, que não dá pra trabalhar 13 horas por dia (fora o tempo de deslocamento de ida e volta) e ainda assim me exercitar, comer direito, ler, etc. Mas ainda assim sei o quanto sou privilegiada e que não devo ficar esfregando esse papo de “comida de verdade” na cara dos outros (aqui entra também o ranço que eu tenho da Rita Lobo, quem me segue nas redes sociais sabe). E falando em privilégio, trago uns biscoitinhos salgados muito gostosos, feitos com queijo Canastra e páprica, para acompanhar uma cerveja ou vinho branco geladinho – receita cheia de privilégios, e que reconheço que tenho.

Biscoitinhos de queijo Canastra e páprica


Biscoitinhos de queijo Canastra e páprica
receita minha

- xícara medidora de 240ml

¾ xícara + 1 colher (sopa) - 115g - de farinha de trigo
¼ xícara (35g) de farinha integral
¼ colher (chá) de sal
1 pitada de pimenta do reino moída na hora
¼ colher (chá) de páprica defumada
150g de queijo Canastra ralado grosseiramente
¼ xícara (56g) de manteiga sem sal, gelada e em cubinhos
3 colheres (sopa) de creme de leite fresco gelado

Na tigela do processador, junte a farinha de trigo comum, a farinha integral, o sal, a pimenta e a páprica e pulse algumas vezes para misturar bem os ingredientes. Junte o queijo e pulse mais algumas vezes. Acrescente a manteiga e pulse até obter uma farofa grossa. Aos poucos, vá juntando o creme de leite e pulsando, somente até que uma massa comece a se formar.

Retire a massa do processador e divida-a em duas partes iguais. Coloque cada metade em um pedaço grande de papel manteiga; forme um cilindro de aproximadamente 3,5cm de diâmetro com a massa, fechando-a dentro do papel manteiga usando uma régua – aperte bem para compactar a massa dentro do papel. Feche as pontas e leve à geladeira até firmar bem, cerca de 4 horas ou de um dia para o outro.

Pré-aqueça o forno a 180°C; forre duas assadeiras grandes com papel manteiga. Desembrulhe um dos cilindros de massa (mantenha o outro na geladeira). Corte em fatias de 5mm e coloque-as nas assadeiras preparadas deixando um espaço de 2,5cm entre uma e outra. Asse por 12-15 minutos ou até que os biscoitos estejam bem dourados nas extremidades. Deixe esfriar nas assadeiras sobre gradinhas por 5 minutos e então deslize o papel com os biscoitos para a gradinha e deixe esfriar completamente. Repita o processo com o outro cilindro de massa.

Os biscoitos podem ser guardados em um recipiente hermético em temperatura ambiente por até 4 dias. Se não quiser assar todos os biscoitos de uma vez, embrulhe o cilindro de massa com papel alumínio e mantenha-o no freezer por até 1 mês.

Rend.: cerca de 48 unidades

9 comentários:

Unknown disse...

Adorei o post! É difícil dar conta do ser humano ideal hoje, eu até me acho com um psicológico relativamente equilibrado, mas tanta regra me afeta e ás vezes me sinto péssima por não cozinhar, por não levar marmita pro trabalho mesmo comendo muita salada no restaurante a kilo....

Thaís disse...

Lembro que quando era criança (nasci em 1984), a maior prova de ascensão social que minha família aspirava, era poder comprar produtos industrializados para eu poder levar de lanche. Eu mesma ficava constrangida de quando tinha que levar um sanduíche enrolado no guardanapo!

Foram décadas colocando na cabeça das pessoas (crianças e adultos) que essa era uma forma adequada e correta de alimentar as famílias, quando a internet não era tão imensa, quando as revistas que chegavam lá em casa (e eram as principais fontes que meus pais usavam pra se informar sobre atualidades) começaram a mostrar as torradas light e tantas outras coisas.

Penso igual você sobre o privilégio que é escolher o que comer, refletir sobre o que cada alimento nos provê, e mesmo o tempo livre pra se informar, cozinhar e se alimentar. Eu pude escolher (durante anos na minha vida, não só agora) saber mais a respeito desse universo), e por isso, hoje escolho melhor.

Me dói pensar que cai nas costas das mulheres da periferia já sobrecarregadas de tantas outras pressões, a ideia de que agora elas, além de tudo, precisam cozinhar legumes todas as noites para a família. Porque se a esmagadora das famílias é chefiada por mulheres, em quem recai a culpa pela obesidade infantil?

:(

Li outro dia essa reportagem que achei muito completa sobre as diversas formas de que a indústria alimentícia vai encontrando brechas onde o "movimento" da comida de verdade não consegue entrar:

https://www.nytimes.com/2017/09/16/health/brasil-junk-food.html

Beijos Pat!

(eu assino com o login do blogger, mas meu blogue atual hoje fica em

https://melhorqueperfeito.com.br - e eu não sei mudar isso aqui, hehehe :)

Barbara disse...

Maravilhosa! <3

É isso mesmo! temos muitos privilégios.

E temos que lutar para que todos tenham a possibilidade de ter condições mínimas de vida para que possam comer bem, ter tempo para lazer, para descanso. Esse sistema que temos não ajuda. Ninguém deveria gastar mais da metade de seu dia a função trabalho/deslocamento.

Flávia Santos disse...

nossa, deu vontade de fazer esses biscoitinhos, nesse dia de chuva ia ser tudo de bom :(

Rita disse...

Oi, querida.

Estou aqui, como de costume, vasculhando em seu blog um jeitinho de dar um toque especial no almoço dos meus. Aí me deparo com esse post que só reforça minha imensa admiração por você. Sim, é tão fácil dar de dedo na cara dos outros, né? Eu tenho verdadeiro pavor da postura "só come mal quem quer". Tenho horror. Sempre que leio coisas do tipo "não use a rotina como desculpa para comer mal" sinto ganas de gritar "desculpa???!". WTF! Como assim, "desculpa", cara? A primeira imagem que me vem à cabeça é uma mulher da periferia trabalhando de doméstica, morando a horas do trabalho, percorrendo a distância em 2 ônibus, chegando em casa à noite para cuidar de sua própria casa/roupa/família. Se ela puder servir pão com ovo acompanhando de refrigerante para os filhos todos os dias antes de desmaiar de cansaço e fazer tudo de novo no dia seguinte, quem sou eu, jisuis, pra pensar que ela "usa a rotina como desculpa"? E aí se uma batalhadora nessas condições consegue cozinhar um jantar decente, ainda vai ser usada como exemplo: "tá vendo, dá pra fazer!" Ahhhhhhh! Por que noção não é vendida na farmácia, né, flor?

Um beijo grande pra você. Vou lá preparar o almoço dos meus com receitinhas maravilhosas do seu blog.

Barbara disse...

Voltando...

Li agora esse artigo https://www.theguardian.com/food/2020/feb/13/how-ultra-processed-food-took-over-your-shopping-basket-brazil-carlos-monteiro

Achei que pudesse interessar a vocês.

R's Rue disse...

Yum.

Amanda disse...

Patrícia, uma pessoa muito sábia me disse que as restrições alimentares se restringem àqueles que têm condições e podem escolher a tal comida de verdade. Aos que nada têm, e infelizmente esse grupo tem se avolumado de maneira cruel e vergonhosa para um país tão rico, é o que sobra mesmo... Rita Lobo é só mais um peão no tabuleiro da futilidade, é um faz de conta indigesto.
Ah, te espero na minha escola de Yoga... Moramos na mesma cidade ;-).

Deh Capella disse...

Ah Pat, que post sensacional. Sou sua fã demais. Tenho bode da Lita Robo por causa dessa arrogância de quem prega tendo como base uma vida de privilégios e não os reconhece. Já fui também a chata da "comida de verdade", depois fui a mãe que mandou bolacha e suco de caixinha no lanche do filho...