A primeira receita que fiz na vida me foi ensinada pela minha tia-avó Angélica, quem lê o blog sabe e alguns de vocês já provaram o bolo de fubá da tia. Minha tia-avó e minha avó foram as minhas primeiras professoras na cozinha, mas confesso que minha avó e eu nunca tivemos um relacionamento muito calmo, e por isso eu sempre recorri muito mais à tia Angélica, que era infinitamente menos brava.
A vó Iza começou a cuidar da gente quando minha mãe foi diagnosticada com câncer: eu tinha 3 anos e meu irmão tinha 6 meses de idade. Ela continuou com a gente depois que a minha mãe faleceu e ficou até o meu pai cagar, ops, casar de novo. Eu e a vó brigávamos quase todos os dias, ela me chamando de “boca dura” e me pondo de castigo – nunca bateu, isso quem fazia era meu pai –, eu retrucando a torto e a direito. Um dos castigos era lavar louça, vejam só, o outro era ir à feira com ela às sextas comprar os legumes e frutas para a semana – quem diria que no futuro eu me tornaria turista de supermercado, não é mesmo? Mas quando eu respondia demais ia para o quarto escuro, logo. :D
Passei muitos anos da minha vida chateada com a minha avó, pois para mim foi sempre clara a sua preferência por meu irmão (até escrevi sobre isso aqui no blog tempos atrás). Eu achava que era por ele ser mais novo, mas quando meu sobrinho nasceu tive uma epifania: o amor que eu tinha por ele era muito maior do que eu imaginava que sentiria quando soube que meu irmão seria pai: ao ver a primeira foto do meu pequeno, ainda pelo Facebook, eu o amei ali, naquele momento – me senti inundada por um sentimento imensamente maior do que qualquer coisa que havia sentido antes. Conforme o tempo foi passando e fui ajudando minha cunhada e meu irmão a cuidarem do pequeno – eu estava desempregada quando ele nasceu e a família da minha cunhada não mora em São Paulo – fui entendendo que o que minha avó tinha pelo meu irmão não era amor de avó, e sim de mãe, por ter cuidado dele quando minha mãe não pôde. E foi assim, sentindo esse amor imenso dentro do peito, que fui compreendendo minha avó e a perdoando por todos aqueles anos. Fui deixando todo aquele amargor para trás e encarando tudo de uma forma totalmente diferente.
Mas por que estou lhes contando tudo isso hoje? Porque minha avó está com Alzheimer e ela não se lembra mais de mim, ela não se lembra de quase ninguém. Ela pede para falar comigo e quando me vê não acredita que sou eu e briga dizendo que a Patricia tem que estar na escola, pois é dia de aula. Meu irmão está arrasado, pois ela também não se lembra dele. É uma tristeza muito grande. Eu queria tanto poder abraçá-la e dizer-lhe o quanto eu a entendo agora, e que não tenho mais mágoa do amor dela pelo João Paulo, e que sou grata por tudo o que ela fez, mas não adianta mais. A minha epifania veio tarde demais. Sinto uma dor enorme por ter perdido a oportunidade de lhe dizer todas estas coisas, e por isso as escrevo aqui, para que fique gravado de alguma forma. Vó, eu respondi e briguei com você, quebrei várias louças de pirraça, amassei vários mamões e derrubei muitas sacolas de compras, pois eu queria ser a preferida, viu? Era só isso. Deixo aqui o meu amor por você com uma foto de um dos pratos que você me ensinou a fazer, o seu feijão delicioso, que a gente chamava feijãozinho do dia-a-dia, mas que era sempre incrementado com bacon, paio, e às vezes, costelinha. Quando a fase “chato para comer” do Pingo passar eu vou preparar este feijão para ele e contar que foi a bisa que me ensinou. Te amo, vó. Obrigada por tudo.
😿
ResponderExcluirBom dia, Patrícia!
ResponderExcluirMe emocionei muito lendo teu post. Minha vó (que também foi uma mãe para mim) morreu com Alzheimer e eu sei bem como te sentes. Só gostaria de dizer que esta epifania não veio tarde demais. Fale isso para ela, ela vai sentir o amor na tua voz e nas tuas palavras. E o amor é poderoso. Talvez aconteça contigo o que aconteceu comigo : um dia ela talvez consiga atravessar a névoa e se lembrar. Depois de muitos encontros eu consegui me conectar com minha avó, seu olhar acendeu e eu disse para ela o quanto ela é importante para mim. Infelizmente, duas horas depois de tê-la deixado recebi a notícia da sua morte. Tive algum conforto em termos rido juntas neste último dia.
Te desejo tudo de bom.
Um abraço, querida!
Assar um bolinho para você, eu não garanto, que não estou cozinhando nem para mim. Mas te abraço bem apertado e fico do seu lado até o seu coração se aliviar. Beijos, querida.
ResponderExcluirE lá vem a Pati de novo fazendo a gente chorar com as belas histórias... Faz tanto tempo que não comento... Por um tempo acho que você até sabia quem eu era... Trocamos posts em redes sociais... Eu sempre ansiosa esperando sua próxima receita... Aí o tempo passou, me separei, voltei a morar com meus pais e parei de ir para a cozinha por que tem quem faça tudo para mim... Enfim, privilégio, sem dúvida nenhuma, mas sinto falta de esperar a próxima receita, ir ao mercado comprar os ingredientes e preparar uma comidinha confortável para relaxar no final do dia... Hoje também tenho o privilégio de morar com minha avó e ela sempre foi incrível. Tudo que sei na cozinha começou com ela... Quanto à sua vó, não deixe de dizer tudo que sente para ela... Sei que você não acredita em religião nenhuma mas e se você estiver errada e houver de fato uma luz no final do túnel, uma alma que "grava"as coisas mesmo que a cabeça física não consiga mais? Te acompanho há tanto tempo... desculpa se meu comentário te ofende de alguma forma. Espero que não por que vem muito do coração. Fique bem e um grande beijo.
ResponderExcluirQuerida, receba meu abraço.
ResponderExcluirEstou aqui também às voltas com a despedida de minha avó. Ela já não reconhece ninguém há alguns anos - nem netos, nem filhos.
Mas agora parece que seu corpo de 97 anos já começou a falhar...
Só queria te dizer que ela sabe. Ela sabe do seu amor.
beijos
😢
ResponderExcluirClaro que adianta, querida. Você já está dizendo, e já está adiantando. Dentro de você, dentro dela, dentro de nós.
ResponderExcluirUm abraço
Ai, chorei! Minha avó está em estado terminal e estou também repensando e revivendo muitas coisas, tentando entender algumas e perdoar outras. Ela está confusa, mas não se esqueceu de mim. Mas já percebi que ela hesitou na frente de outras pessoas, confundiu nome até de irmãos dela. Não fosse o câncer que vai levá-la tão em breve, ela fatalmente se esqueceria de mim, eu bem sei.
ResponderExcluirTalvez a sua avó soubesse a razão do seu comportamento, Pat. Uma criança tão pequena passando pelo que vcs passaram... Mas, independentemente disso, perdoe-se pela demora em compreendê-la: essas coisas de amor a gente só entende vivendo na pele, não é algo que se aprende pela experiência alheia nem por ouvir dizer. Que bom que vc também pode viver esse amor pelo Pingo!
Um super beijo pra vcs dois!
Pati, quando tiver a oportunidade, fale tudo isso para ela sim!! Lá no fundo, o coração dela vai registrar a mensagem e o cerebro doente vai absorver....É amor e isso a gente sente com a alma!!
ResponderExcluirDaniella Ortiz
Querida Pati, como seu post falou comigo.
ResponderExcluirMinha avó Thereza também está com Alzheimer. Ela é mãe da minha mãe e ajudou minha mãe viúva a me criar. Pra ela, minha mãe sempre foi a "boca dura" e, apesar de mimar muito eu e meu irmão, eu também era muito teimosa.
Durante um ano, por exemplo, minha mãe trabalhou em SP vários dias por semana no esquema de plantões no PAS, e eu morava com a minha vó.
Vivia dibicando com ela e meu avô (sou teimosa feito ele) pq era uma adolescente e é da nossa natureza, né.
Mas curti muitos quitutes feitos por ela, que sempre soube expressar seu amor cozinhando pra nós.
Hoje ainda se lembra de mim, mas mal fala, a doença avançando devastadora.
Eu moro em SP e a vejo de quinze em quinze dias quando vou pro interior, e é sempre doloroso vê-la dessa forma.
Mas eu sempre digo que a amo, como ela está bonita e como foi bom vê-la. Nos dias bons, ela responde de volta.
É duro mesmo, eu sei!
Mas tenha certeza que ela sabe que a neta a ama muito.
Um enorme abraço, fique bem!
Lindo depoimento querida Patrícia, sem dúvida,sua,avó vai recebê-lo em outro nível e fará muito bem a ela, como foi libertador para você!
ResponderExcluirAdoro suas receitas, obrigada por compartilhar suas histórias e delícias! Um grande abraco
Boa noite gostei muito de sua postagem confesso q me emocionei e lembrei muito de minha avo a quem chamava de mae que apesar de eu ter cuidado dela qdo adoeceu eu nunca demonstrei o grande amor q sentia por ela e ela morreu sem saber o qto eu era grata por ela existir
ResponderExcluirAh, essa situação é tão triste...
ResponderExcluirPassamos por isso com meu pai, ele não me reconhecia porque esperava a filha bem novinha, não uma senhora de mais de 40 anos na época!
Agora vamos às boas notícias.
Eu li a respeito porque faço tradução de manuais de ultrassom.
Existem métodos experimentais de ultrassom que têm conseguido excelentes resultados na remoção da amiloidose, a proteína que "entope" as veias do cérebro e impede que o sangue oxigene essas áreas, causando o esquecimento.
Tente encontrar algum médico que possa fazer o procedimento.
Já está em testes e de repente vocês conseguem para sua avó.
Desejo o melhor para essa fase.
Um abraço apertado...
Minha querida, sei bem como é essa sensação, sinto o mesmo com meu pai que se foi: a gente percebe coisas tarde demais! Sinta-se abraçada por mim, e abrace e beije muito sua avó enquanto ela ainda está aqui, mesmo não se lembrando de você. Um beijo.
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